quarta-feira, 3 de outubro de 2012



Juliette Binoche em "A Liberdade é Azul" - kieslowski

Não lembro bem em qual livro, acho que foi em "Quando Nietzsche Chorou", eu li e gravei a seguinte frase: "A vida é uma centelha entre dois vácuos idênticos: a escuridão antes do nascimento e aquela após a morte."
A cada dia tenho pensado mais nesses dois vácuos, mais no segundo... e sinceramente, tenho chegado perto de concluir que a vida não passa de um terceiro vácuo, o vácuo do meio. 
E nós, os corpos, atuamos no vácuo como os analgésicos atuam no corpo... A vida é tão medíocre às vezes. As pessoas tão cheias de defeitos, tão vazias de decência, igualmente medíocres. 
Aos poucos vou parando de sentir aquilo que doía, ardia, incomodava.
Seria um sonho se simplesmente eu não pudesse sentir, nem que eu quisesse muito. 
Eu me esforço, mas as sensações explodem dentro de mim e ressoam em gritos e atos contra meu próprio corpo. Quando vejo já o fiz, já me joguei na sensação e no desejo de matar o que eu nem sabia que era vivo.
Essa estranha forma de negar a existência. A revolta por ter que existir e lidar com cada pequena frustração, com a percepção de uma realidade destorcida para pior. Ou uma realidade vista da maneira correta mas que deveria passar despercebida, anestesiada, a realidade que diz respeito à insignificância de cada coisa, de cada palavra, de cada ato, de cada sentimento, de cada afeto, de cada vida.
A vontade de vomitar cada sílaba de palavras vãs que ouvi, cada estupidez que ouvi, vi ou vivi. 
Desejo intenso de esmurrar as paredes para aliviar essa pressão no meu corpo ou arrancar com a unha cada centímetro da minha carne que dói, porque dói aqui, na carne viva e vermelha!
O vazio em cada átomo, em cada mínimo fragmento de matéria, da matéria que forma o meu corpo e é só corpo, nada além. Vazio, vazio, vazios de gente, vazios de sentimentos reais, tudo é líquido demais, evapora. Mas diz Marx que tudo que é sólido desmancha no ar. 
Então o ar é o que resta, inspiro e encho meus pulmões com esse ar que é dono de tudo e onde tudo se encerra. O ar me sufoca. 
Sozinha, completamente sozinha, olho para um mundo cuja decomposição escorre diante dos meus olhos. Lágrimas. 
Encontro-me, a esmo, habitando o inóspito, fora e dentro de mim. 


2 comentários:

  1. Esta cena em que a Julie (personagem da Binoche)rasga a pela das mãos no muro para aliviar sua dor interna é tão forte e importante...me lembro muito bem.
    Há tantos momentos em que sinto minha existência como autômata, alheia aos meus desejos, que percebo como inexistentes. Talvez sejam apenas momentos, em que a sensação de vazio me toma por completo quase como um mecanismo de defesa: preciso me proteger de tantos estímulos aversivos e novos. Na verdade, existe um mundo interno de sensações camufladas, em constante ebulição. Durante esse tempo, do lado de fora cubro minha feição de sorrisos na esperança de que eu mesma me contagie com tal felicidade forjada.
    É então que eu respiro bem fundo, tento amenizar as batidas do coração, e torço pra que as lágrimas venham rápido, causar esse curto-circuito que finda a crise de ansiedade.

    Não me sinto muito inspirada para escrever um comentário hoje, coloquei aqui bobagens que consegui, só queria dizer que adorei o texto e me identifiquei bastante :)

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  2. ;)
    Esta cena é uma das mais importantes, e muito angustiante, assim como as cenas da piscina. O tempo todo parece que ela vai explodir de tanta dor, mas não, a dor só escapa pelas vielas de um corpo que continua funcionando "normalmente".
    O choro, que não acontece, seria mesmo a maneira mais eficaz e menos prejudicial de, como você disse, causar um curto-circuito e por fim à terrível sensação interna.
    Mas sabemos bem como são esses momentos, há algo de tão forte na dor e tão urgente de se aliviar que o choro não é sequer elaborável, e todo o corpo reage em impulso.

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