quarta-feira, 26 de setembro de 2012


Foto: Brooke Shaden

“... um egoísmo forte constitui uma proteção contra o adoecer, mas num último recurso devemos começar a amar afim de não adoecermos, e estamos destinados a cair doentes se, em conseqüência da frustração, formos incapazes de amar”. (FREUD, 1914)

Há muito o que dizer e interpretar sobre o amor. 
Lacan disse que "amar é dar o que não se tem". 
Eu dôo ao outro uma energia que não tenho, que não recebo. E espero do outro um investimento igual ou maior.
Então não entendo, fico pensando que não é possível dar valor a uma outra pessoa sem valorizar a nós mesmas... Pelo menos deveria ser assim. Se, em vez de doarmos tudo o que temos e o que nem temos, nós nos  resguardássemos de um pouco dessa energia, um pouco de amor, não ficaríamos tão vazios...
Às vezes nos assemelhamos a uma rosa sem perfume, porque deixamos todo o perfume na mão daquela pessoa que nos arrancou da terra.

Mais um pouco e eu começo a entender que tudo se passa no registro da necessidade. A estruturação do sujeito implica ultrapassar o registro da necessidade para o do desejo. O grito e o choro, inicialmente, expressão de insatisfação e desconforto, tornam-se apelo, demanda de outra coisa.
Amar é dar o que não se tem porque, afinal, o amante é aquele que, sentindo que algo lhe falta, mesmo sem saber o que seja, supõe em outro, o amado, algo que o completaria. O amado, por sua vez, sentindo-se escolhido, supõe que tem algo a dar, sem saber bem o quê. Mas, como o amado é também um ser  faltante, algo também lhe falta, como ao amante. Assim, o que ambos têm a dar é um nada, um vazio.

Poupando-me das referências, afinal isso não é um artigo, foi Miller quem disse que amar é confessar a falta. E o amor se sustenta pelo suposto saber, pela esperança de que o outro nos revele o que a gente é. 
Caminho em direção a um amor entendido como identificação, um amor que na sua vertente imaginária é narcísico, espelhamento da imagem de si mesmo no outro. 
No amor narcísico, a libido não reflui para os objetos, ela se encontra fixada na própria imagem idealizada, chamada de eu ideal. 
Enfim, "entendo" o porquê de tanta doação, e os motivos que tornam a perda algo tão aterrorizante. A ameaça de perda põe em risco a própria vida, porque o efeito do investimento libidinal no outro é maciço. 
O mortífero é desconhecer que ama a si mesmo no outro, que se crê ser seu objeto de amor, sua própria imagem.

Não gosto dos contornos que sou levada a dar ao amor, essas interpretações violam a beleza e pureza do sentimento.  
Prefiro Shakespeare, Camões e canções... 


Voltando ao amor que se sustenta pelo suposto saber, pela esperança de que o outro nos revele o que a gente é, sabemos a importância do amor de Transferência para um bom caminhar de uma análise. 
Colocamos na figura do analista um suposto saber sobre nós. Repetimos relações estereotipadas através da transferência, nos identificamos e esperamos que o outro nos revele algo sobre nós mesmos, que ainda desconhecemos. 
Mas a função do suposto saber transpassa os limites da transferência analítica e recai sobre todas as relações, amorosas, de amizade, de trabalho... 
É extremamente necessário que eu dote de um saber aqueles com quem me relaciono.
Qualquer relação só se sustenta se houver admiração, e a admiração nasce do ideal que fazemos do outro, nasce do saber que supomos haver no outro. Toda relação leva um pouco de idealização. 
Por isso é tão importante que as pessoas saibam que, quando você perde o respeito por alguém, não o recupera nunca mais. A admiração também se vai. 

É contando com esse suposto saber que ainda nos restam algumas noções como hierarquia, autoridade... noções extremamente necessárias na escola e no trabalho, por exemplo.
E nós, meros mortais de conhecimento limitado, criamos a nossa imagem de forma que o outro, lá de fora, veja o que nós mesmos não vemos, nos credite um saber e acredite nesse saber do qual nós mesmos, inúmeras vezes, duvidamos. 
E a dúvida, meu amigo, é a pior das mazelas psíquicas, porque ela te faz hesitar. Ela te faz sentir vergonha e ter medo da reprovação e do escárnio. 
Espero ter convencido a, pelo menos, meia dúzia de gente que leu isso aqui, essa explanação de todo o meu saber!





http://www.psicanaliseemcurso.com.br/artigo_7.asp
http://www.dombosco.com.br/faculdade/revista_2ed/jun08_artigo01.php


terça-feira, 25 de setembro de 2012

Si me ves un día, la mirada perdida
y la locura en el semblante

apiádate de mí, no me maldigas
porque las penas van prendías
ay, al fleco del aire.
Si me ves un día, mirando al cielo
suplicando a Dios
apiádate de mí, no me maldigas
que los tormentos respiran
ay por los rayos del sol.

- Camarón de la Isla

Now you're just somebody that I used to know

Now and then I think of when we were together
Like when you said you felt so happy you could die
Told myself that you were right for me
But felt so lonely in your company
But that was love and it's an ache I still remember


You can get addicted to a certain kind of sadness
Like resignation to the end, always the end
So when we found that we could not make sense
Well you said that we would still be friends
But I'll admit that I was glad that it was over





Now and then I think of all the times you screwed me over
But had me believing it was always something that I'd done


And I don't wanna live that way
Reading into every word you say

But you didn't have to cut me off
Make out like it never happened
And that we were nothing
And I don't even need your love




domingo, 16 de setembro de 2012



Da minha janela
pela fresta
eu vejo até o que não presta.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012



                            Parque Municipal - BH - 09/06/12

Ontem uma pessoa muito bacana me perguntou se eu sou sensível. Eu, não sabendo responder, fiquei inclusive desajeitada com a pergunta. Então ela me disse que eu parecia ser muito sensível e eternamente romântica...
Sim, acho que a resposta é sim. Mas é preciso ser ainda mais sensível para perceber a sensibilidade do outro, a grande maioria das pessoas estão ocupadas demais, distraídas demais, indiferentes demais com o próximo. 
É incrível como quase não se vê cuidado entre as pessoas, carinho, atenção... cuidado com os sentimentos do outro... 
As pessoas não se importam mais se vão ferir, magoar... elas simplesmente agem pensando no próprio bem-estar. 
A palavra "amizade" tem perdido seu sentido. E evita-se usar a palavra "amor", porque causa vergonha... ou medo.
Sensibilidade demais soa como loucura, deve-se medicar pra não sentir, pra não sofrer...
Certa vez me disseram, e desde então, sempre que posso eu digo: Ser sensível não é pecado, não é doença. É só um estado de espírito que acomete pessoas especiais... só pessoas especiais! 

quinta-feira, 6 de setembro de 2012


Eu sou o tipo de pessoa que colhe flores com os ouvidos. 
Há quem exale o perfume das flores pela pele.
De cuja boca caem as pétalas mais perfumadas.
Dos olhos se extrai o mel.
A doçura do ser é dita pelo olhar.

Quando o outro fala comigo eu me sinto feliz, porque é, de certa forma, um investimento que é feito em mim. 
E eu, além de ouvir, tentar entender e ajudar, também me identifico com o que o outro fala, me apego a pontos que vão servindo para mim, vou reorganizando coisas aqui dentro. 
Quando ouvimos o outro, sempre bebemos daquelas palavras que melhor nos nutrem. 
Tomamos para nós aquilo que nos desperta, acrescenta, e talvez, somente naquilo é que vamos nos atentar. 
Nós somos narcisistas nesse aspecto, todos nós agimos assim.
Todo afeto tem sua parcela de narcisismo, não conseguimos nunca nos livrar de uma porção narcísica primordial, que é a primeira forma de afeto que conhecemos. 
Mas isso não quer dizer que não possamos reconhecer a alteridade e investir afeto no outro como outro, mesmo com ganhos secundários. 

Gosto de ouvir as pessoas, tão mais que falar. 
Mas, pensando o que acabo de dizer, não falar seria um ato de egoísmo, muito maior que não ouvir. 
Quando eu falo eu faço uma doação.
Uma doação para que o outro se deleite com o que eu digo dessa mesma forma narcísica.
Mais narcisista ainda seria se eu apenas ouvisse.

Encontrei uma dessas pessoas que cultivam jardins em sua alma. 
Uma pessoa com quem entendi o significado de vários afetos e de vários significantes, como parceria, amizade, amor, lealdade...
Junto a quem aprendi que Diálogo não é uma disputa de egos, de atenção, de quem tem mais a dizer, a lamentar, como muitas vezes me pareceu. E muito menos devo me sentir culpada se por acaso falar demais sobre mim e ouvir de menos. 
Aprendi porque mantive os ouvidos bem abertos, mas, principalmente, o coração aberto.
Um diálogo verdadeiro é um bom encontro, uma relação de troca, de dar e receber. É um fluxo, onde há reconhecimento, identificação e modificação. 

Para minha querida N.N.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

                                                                  Foto: Francesca Jane
Tudo tão errado que me faz pensar que estou certa.

Tudo tão verdade que eu até duvido.
Tudo tão claro que eu nem consigo ver.
Tudo tão intenso que me anestesia.

Tudo tão sem graça que parece até piada.
Tudo tão cheio de tudo que não me resta mais nada.



"Everyday I fight a war against the mirror
I can't take the person staring back at me

I'm a hazard to myself
Don't let me get me
I'm my own worst enemy
It's bad when you annoy yourself,
So irritating
Don't wanna be my friend no more
I wanna be somebody else

I wanna be somebody else

So doctor, doctor -- won't you please prescribe me something?"

Pink - Don't Let me Get me.

Love Love Love



sábado, 1 de setembro de 2012


                                                                       Foto: Brooke Shaden
Outra vez revirando coisas antigas.
Escritos, cadernos, fotos, lembranças...
Acho que estou tentando (re)encontrar meus sonhos...
tenho me perguntado onde eles foram parar.
Não me refiro a esse sonho que alguns mais bem-aventurados têm todas as noites.
Esses, já os perdi há tempos, desde que rompi o pacto de amizade com Morpheu.
Estou falando de um outro tipo de sonho, aqueles que exigem de nós algo mais que deitar numa cama e fechar os olhos. Aqueles que suplicam por nossa fé e investimento, que demandam ação e determinação, para não sucumbirem. 
Este sonho está perdido, deslocado. Ou morto. 
Procurei por horas registros de uma época em que esses sonhos existiram e foram bem vívidos. Encontrei alguns poemas anotados nos cantos dos cadernos, onde eu escrevia sensações e sentimentos, por medo de esquecê-los, esquecer quem eu era. Eu tinha que lembrar todo dia quem era eu, por quê eu vivia e o quê significava a minha existência. Não, nunca houve um bom porquê, eu tinha que inventá-los e reinventá-los sempre.
Encontrei então um famoso poema da Cecília Meireles, que sei de cor desde bem pequena. É que desde bem pequena, talvez dos sete ou oito anos, eu tenho essa mania de ler poesia e escrever coisas em cadernos de recordações. Eu não conhecia nomes importantes da literatura, e nem que esse poema marcava a obra da Cecília Meireles, apenas li e me encantou, um monte de coisa me encantava naquela época...


Motivo
Eu canto porque o instante existe 
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias, 
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico, 
se permaneço ou me desfaço, 
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

Das poucas memórias que carrego da minha infância, está a salvo a certeza de sempre ter compreendido bem esse fim. Não só o fim do poema, mas o fim de tudo que existe e o meu próprio fim. A mudez, a cegueira, a surdez, o grande vazio da morte. 
A morte me aterrorizava, eu pensava muito nela. 
Fui crescendo e acredito que recalquei esse terror. 
Eu flertei com a morte. Eu dizia não ter medo dela, ou até desejá-la. Mas a verdade é que o terror era tão grande que eu precisava me aproximar dela e recuar, sentir seu cheiro e voltar, desafiá-la, e vencê-la. Uma disputa narcísica, egoica. 
Agora eu me posiciono humildemente diante da morte, pois sei que ela é muito maior, está muito acima de mim.
Deito o meu corpo, cansado do dia exaustivo simplesmente por ter sido mais um dia de existência. 
Resisto o quanto posso, inconsciente do que estou fazendo. 
Cedo-me ao sono, driblando o medo de não recobrar a consciência pela manhã. 
Apego-me a rituais malucos, repetitivos, para garantir que vou acordar. 
Ao mesmo tempo desejo que isso não aconteça. 
Dormir é como morrer um pouquinho. 
Recorro ao sono quando quero morrer por algum tempo. 
A morte causa essas ambivalências. Terror e desejo... remédios indutores do sono ao mesmo tempo em que o sono causa medo. Dormir para esquecer o medo de dormir, ou de morrer. 
Sempre tive muito medo de perder a consciência, o controle de mim mesma, o domínio sobre meus atos. Tanto medo me criou ciladas. Caí em todas elas, tamanha ironia da vida. 
É estranho reparar como a temática da morte sempre esteve presente, desde criança. 
É estranho reparar que ainda tenho medos infantis. 
É estranho reparar que a vida já era vazia, lá atrás. 
E eu já era indiferente, ou simplesmente não sentia. 
É estranho, e triste, perceber que, assim como Cecília Meireles não reescreveu o poema, a vida também não mudou. 
Não sou alegre nem sou triste, 
não sinto gozo nem tormento... 
Atravesso noites e dias
no vento.




Canção Excêntrica - Cecília Meireles
Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
protejo-me num abraço
e gero uma despedida.

Se volto sobre meu passo,
é distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
- saudosa do que não faço,
- do que faço, arrependida.