sábado, 1 de setembro de 2012


                                                                       Foto: Brooke Shaden
Outra vez revirando coisas antigas.
Escritos, cadernos, fotos, lembranças...
Acho que estou tentando (re)encontrar meus sonhos...
tenho me perguntado onde eles foram parar.
Não me refiro a esse sonho que alguns mais bem-aventurados têm todas as noites.
Esses, já os perdi há tempos, desde que rompi o pacto de amizade com Morpheu.
Estou falando de um outro tipo de sonho, aqueles que exigem de nós algo mais que deitar numa cama e fechar os olhos. Aqueles que suplicam por nossa fé e investimento, que demandam ação e determinação, para não sucumbirem. 
Este sonho está perdido, deslocado. Ou morto. 
Procurei por horas registros de uma época em que esses sonhos existiram e foram bem vívidos. Encontrei alguns poemas anotados nos cantos dos cadernos, onde eu escrevia sensações e sentimentos, por medo de esquecê-los, esquecer quem eu era. Eu tinha que lembrar todo dia quem era eu, por quê eu vivia e o quê significava a minha existência. Não, nunca houve um bom porquê, eu tinha que inventá-los e reinventá-los sempre.
Encontrei então um famoso poema da Cecília Meireles, que sei de cor desde bem pequena. É que desde bem pequena, talvez dos sete ou oito anos, eu tenho essa mania de ler poesia e escrever coisas em cadernos de recordações. Eu não conhecia nomes importantes da literatura, e nem que esse poema marcava a obra da Cecília Meireles, apenas li e me encantou, um monte de coisa me encantava naquela época...


Motivo
Eu canto porque o instante existe 
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias, 
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico, 
se permaneço ou me desfaço, 
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

Das poucas memórias que carrego da minha infância, está a salvo a certeza de sempre ter compreendido bem esse fim. Não só o fim do poema, mas o fim de tudo que existe e o meu próprio fim. A mudez, a cegueira, a surdez, o grande vazio da morte. 
A morte me aterrorizava, eu pensava muito nela. 
Fui crescendo e acredito que recalquei esse terror. 
Eu flertei com a morte. Eu dizia não ter medo dela, ou até desejá-la. Mas a verdade é que o terror era tão grande que eu precisava me aproximar dela e recuar, sentir seu cheiro e voltar, desafiá-la, e vencê-la. Uma disputa narcísica, egoica. 
Agora eu me posiciono humildemente diante da morte, pois sei que ela é muito maior, está muito acima de mim.
Deito o meu corpo, cansado do dia exaustivo simplesmente por ter sido mais um dia de existência. 
Resisto o quanto posso, inconsciente do que estou fazendo. 
Cedo-me ao sono, driblando o medo de não recobrar a consciência pela manhã. 
Apego-me a rituais malucos, repetitivos, para garantir que vou acordar. 
Ao mesmo tempo desejo que isso não aconteça. 
Dormir é como morrer um pouquinho. 
Recorro ao sono quando quero morrer por algum tempo. 
A morte causa essas ambivalências. Terror e desejo... remédios indutores do sono ao mesmo tempo em que o sono causa medo. Dormir para esquecer o medo de dormir, ou de morrer. 
Sempre tive muito medo de perder a consciência, o controle de mim mesma, o domínio sobre meus atos. Tanto medo me criou ciladas. Caí em todas elas, tamanha ironia da vida. 
É estranho reparar como a temática da morte sempre esteve presente, desde criança. 
É estranho reparar que ainda tenho medos infantis. 
É estranho reparar que a vida já era vazia, lá atrás. 
E eu já era indiferente, ou simplesmente não sentia. 
É estranho, e triste, perceber que, assim como Cecília Meireles não reescreveu o poema, a vida também não mudou. 
Não sou alegre nem sou triste, 
não sinto gozo nem tormento... 
Atravesso noites e dias
no vento.



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