terça-feira, 23 de outubro de 2012

Alegrías!


Porque sé muy bien lo que vale un segundo
porque sé también que se va la pasión
La vida se va con los regalos de los cumpleaños
y sólo quedan los que nos amaron
porque se pierde lo que no se da.

sábado, 13 de outubro de 2012

22 à vista!


Quando criança, 
odiava azeitonas, e outras coisas verdes. Adorava chocolate, café e tinha uma quedinha especial por pimenta.
Passava horas desenhando, colorindo, escrevendo poesia e procurando palavras novas no dicionário.
Jogava o dente caído no telhado, atormentava a avó na companhia dos primos e enlouquecia a vizinhança com todo o barulho, tomava banho de mangueira no calor, rabiscava a parede da casa, enterrava objetos pelo quintal e depois não lembrava mais onde tinha enterrado o tesouro...
Não gostava muito de subir em árvores, nunca arriscou grandes alturas.
Também não a agradava certas brincadeiras de correr, de esconder... o medo de ser pega causava a ela uma grande ansiedade. Além disso, tinha medo de cair.
Quando aprendeu a andar, morria de medo de subir escadas. Demorou pra que fizesse isso sozinha. 
Quando cresceu, pegou mania de contar os degraus, um a um. 
Descia as escadas saltando os ímpares e saltava os pares na subida.
Morria de vergonha dos outros e vivia escondendo a cara redonda e rosada por trás do vestido da mãe.
Todo mês de maio se vestia de anjo, encaixava nas costas uma asa, colocava pétalas de rosas numa cestinha e ia "toda toda" coroar nossa senhora, se sentindo quase um anjo de verdade! Só pecava pelo trabalho que dava para a pobre da mãe.
Cantava alto na coroação. Cantava nas missas de domingo, regularmente. Cantava no chuveiro, no quarto, pela casa a fora, cantava, cantava, cantava...
Ia na casa paroquial pedir resto de hóstia pra brincar de comungar. 
Juntava com a molecada nos arredores da igreja. Brincavam antes e depois da catequese, até o padre ou a doninha que ajudava na igreja irem lá espantar a barulhada. 
Cresceu e se afastou tanto da igreja, criou uma religião própria, acredita no que acredita e não mais no que é convencida a acreditar. 
Mas ainda não come carne nas sextas-feiras santas, não anda de costas e muito menos seria capaz de deixar virado o chinelo que faz mãe morrer. Também evita passar debaixo das escadas e não simpatiza com os gatos pretos, mas nunca se considerou uma pessoa supersticiosa, se diz precavida e ainda fala que é melhor ser precavida para que não perca a vida.
A cor predileta era rosa.
Mocinha, 
andava segurando a barra da saia na ponta dos dedos, pisava cada pedra com cuidado e pulava aquelas que eram mais pontudas.
Gostava de escrever no corpo inteiro com canetas coloridas.
Gostava de pintar a cara e fingir que era princesa. Mordia maçãs esperando que algo acontecesse. Nunca foi possível saber se esperava a morte ou a vinda do príncipe depois de morder a maçã...
Gostava de ouvir o barulho das folhas secas sendo pisadas. 
Gostava de ouvir o barulho das gotas de chuva caindo no telhado, gostava de sair na chuva e às vezes se encharcava e tinha que andar pela casa na ponta dos pés.
Também fazia isso de madrugada, nas fugidas ou quando chegava de festa.
Também ficava na ponta dos pés para parecer mais alta nas fotografias.
Gostava bem dessa ousadia do corpo, na ponta dos pés tinha a sensação de estar sempre prestes a pular, ou a cair. 
Gostava bem desses riscos bobos...
Fazia todas as operações matemáticas com as placas dos carros e contava placas de trânsito durante as viagens. 
Parecia que estava sempre esperando alguém...
Ficava parada, por um longo tempo, na frente do relógio, acompanhando o movimento do ponteiro, hipnotizada pelo tique-taque que vez ou outra a fazia lembrar de alguma música.
Ficava horas encostada nas janelas, olhando para fora, procurando lá fora o que talvez encontraria dentro.
Ficava absorta na frente da porta olhando a rua, ou olhando o nada, reparando cada detalhe da roupa de quem passava, cada detalhe do cabelo, da pele, do jeito de andar... mas se a perguntassem, certamente nem saberia quem passou. 
Era distraída mas sabia das coisas. Gostava de perguntar e questionar quase tudo que ouvia e julgava importante. Gostava de pensar sobre questões existenciais, passou a achar a sua vida um grande mistério, não mais um milagre. 
A cor preferida passou a ser lilás. 
Mulher,
Ainda não tem respostas pra grande maioria das perguntas que se fazia e coleciona milhões de perguntas novas. 
Ainda tem medo de cair.
Ainda morde maçãs esperando que algo aconteça. 
Ainda não sabe o que tanto espera.
Segue odiando azeitonas e amando chocolate, pimenta e café.
E já não sabe mais qual é a cor favorita. 
É que a gente muda o tempo inteiro, mas o tempo não muda a gente inteiramente.
I wish you'd never forget the look on my face when we first met


All I know is that you're so nice
You're the nicest thing I've seen



Basically, I wish that you loved me

quinta-feira, 4 de outubro de 2012


Que tristeza das "coisas" que perdi e não posso recuperar... 
Que ódio do tempo que leva tudo embora, que muda tudo... 
Mas que ingrata eu, que maldigo o tempo enquanto o que ele faz é apenas tentar consertar as burradas que a gente comete. 
Tempo que amarela a cor do papel mas recobre de branco e enche de paz o que nele será escrito. 
Tempo que envelhece o rosto do espelho mas o faz refletir sorrisos outra vez. 
Tempo que enruga a pele mas a deixa com um perfume sempre novo e agradável. 
Tempo que resseca os lábios mas não resseca a alma, e desses lábios escapam outra vez doces e úmidas palavras. 
Tempo que estraga a fotografia mas nos deixa guardar só as boas lembranças.
Tempo que renova, recicla, que leva embora em boa hora e traz de volta, nem cedo, nem tarde, mas "a tempo". A tempo de enxergar ganhos nas perdas. Entender que é preciso deixar o tempo agir, se infiltrar em cada coisa, em cada espaço, em cada poro... e assim o tempo transforma tudo. Entender que nada foi perdido e que o novo é só o velho um pouco diferente, e veio se somar às lembranças do que passou. 
Aprendi com Lewis Carroll a importância do tempo, a importância em respeitá-lo. Aprendi que só se transpõe uma porta se for do seu tamanho e que crescer fora do tempo pode ser complicado, que cada coisa exige um tamanho certo, uma hora certa. 
Cada coisa tem sua vez. 

quarta-feira, 3 de outubro de 2012



Juliette Binoche em "A Liberdade é Azul" - kieslowski

Não lembro bem em qual livro, acho que foi em "Quando Nietzsche Chorou", eu li e gravei a seguinte frase: "A vida é uma centelha entre dois vácuos idênticos: a escuridão antes do nascimento e aquela após a morte."
A cada dia tenho pensado mais nesses dois vácuos, mais no segundo... e sinceramente, tenho chegado perto de concluir que a vida não passa de um terceiro vácuo, o vácuo do meio. 
E nós, os corpos, atuamos no vácuo como os analgésicos atuam no corpo... A vida é tão medíocre às vezes. As pessoas tão cheias de defeitos, tão vazias de decência, igualmente medíocres. 
Aos poucos vou parando de sentir aquilo que doía, ardia, incomodava.
Seria um sonho se simplesmente eu não pudesse sentir, nem que eu quisesse muito. 
Eu me esforço, mas as sensações explodem dentro de mim e ressoam em gritos e atos contra meu próprio corpo. Quando vejo já o fiz, já me joguei na sensação e no desejo de matar o que eu nem sabia que era vivo.
Essa estranha forma de negar a existência. A revolta por ter que existir e lidar com cada pequena frustração, com a percepção de uma realidade destorcida para pior. Ou uma realidade vista da maneira correta mas que deveria passar despercebida, anestesiada, a realidade que diz respeito à insignificância de cada coisa, de cada palavra, de cada ato, de cada sentimento, de cada afeto, de cada vida.
A vontade de vomitar cada sílaba de palavras vãs que ouvi, cada estupidez que ouvi, vi ou vivi. 
Desejo intenso de esmurrar as paredes para aliviar essa pressão no meu corpo ou arrancar com a unha cada centímetro da minha carne que dói, porque dói aqui, na carne viva e vermelha!
O vazio em cada átomo, em cada mínimo fragmento de matéria, da matéria que forma o meu corpo e é só corpo, nada além. Vazio, vazio, vazios de gente, vazios de sentimentos reais, tudo é líquido demais, evapora. Mas diz Marx que tudo que é sólido desmancha no ar. 
Então o ar é o que resta, inspiro e encho meus pulmões com esse ar que é dono de tudo e onde tudo se encerra. O ar me sufoca. 
Sozinha, completamente sozinha, olho para um mundo cuja decomposição escorre diante dos meus olhos. Lágrimas. 
Encontro-me, a esmo, habitando o inóspito, fora e dentro de mim.