quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Sylvia Plath

Talvez eu nunca tivesse antes sabido acolher bem as críticas à minha escrita, ou melhor, à visceralidade e virilidade emocional da mesma. O Eu, escancarado, inibe as pessoas que, reativas e sem considerarem as ambiguidades e tropeços da língua/poesia, interpretam deliberadamente a escrita e disparam julgamentos como exímios críticos literários formados pelos valores do senso comum. 

Percorrendo o livro da Ana Cecília Carvalho e a análise que ela faz sobre "A Poética do Suicídio em Sylvia Plath" (título do livro), encontro a seguinte passagem, que traduz melhor meu pensamento: 

" Um dos esforços interpretativos exigidos pelo poema mostra a tentação que ele provoca no leitor, que é levado a atribuir ao texto uma realidade biográfica pré-existente, de que o texto seria a cópia fiel. O outro lado permite pensar que, se tudo o que se tem são segmentos de escrita, do que, afinal, se fala ali? Sem cairmos na sedução do imaginário, será possível distinguir o que se anuncia na enunciação? E que função teria?
Agindo potencialmente para seduzir o leitor, em 'Lady Lazarus' as imagens especulares e teatrais, facilitadoras do processo de identificação, conjugam-se à situação criada pelo texto, em que um eu se exibe como se estivesse em um palco. O aspecto sedutor dessa exibição reside no fato de que o eu se apresenta com uma grandiosidade que o torna capaz de enfrentar a morte e ainda permanecer vivo. Tal encenação efetuada na escrita irradia-se a partir de um centro narcísico e ressoa, em maior ou menor grau, na aspiração à imortalidade presente no coração do leitor. 
Na morte buscada como 'uma arte', enfim cintila - paradoxalmente- a imortalidade."

Para terminar, segue o maravilhoso poema Lady Lazarus, Sylvia Plath: 

LADY LAZARUS

Tentei outra vez. 
Um ano em cada dez 
Eu dou um jeito —

Um tipo de milagre ambulante, minha pele 
Brilha feito abajur nazista, 
Meu pé direito

Peso de papel,
Meu rosto inexpressivo, fino
Linho judeu.

Dispa o pano 
Oh, meu inimigo. 
Eu te aterrorizo? —

O nariz, as covas dos olhos, a dentadura toda? 
O hálito amargo 
Desaparece num dia.

Em muito breve a carne
Que a caverna carcomeu vai estar
Em casa, em mim.

E eu uma mulher sempre sorrindo.
Tenho apenas trinta anos.
E como o gato, nove vidas para morrer.

Esta é a Número Três. 
Que besteira 
Aniquilar-se a cada década.

Um milhão de filamentos.
A multidão, comendo amendoim,
Se aglomera para ver

Desenfaixarem minhas mãos e pés —
O grande striptease. 
Senhoras e senhores,

Eis minhas mãos
Meus joelhos.
Posso ser só pele e osso,

No entanto sou a mesma, idêntica mulher. 
Tinha dez anos na primeira vez. 
Foi acidente.

Na segunda quis
Ir até o fim e nunca mais voltar.
Oscilei, fechada

Como uma concha do mar.
Tiveram que chamar e chamar
E tirar os vermes de mim como pérolas grudentas.

Morrer
É uma arte, como tudo o mais.
Nisso sou excepcional.

Desse jeito faço parecer infernal. 
Desse jeito faço parecer real. 
Vão dizer que tenho vocação.

E muito fácil fazer isso numa cela. 
É muito fácil fazer isso e ficar nela. 
É o teatral

Regresso em plena luz do sol
Ao mesmo local, ao mesmo rosto, ao mesmo grito
Aflito e brutal:

"Milagre!"
Que me deixa mal.
Há um preço

Para olhar minhas cicatrizes, há um preço 
Para ouvir meu coração —
Ele bate, afinal.

E há um preço, um preço muito alto 
Para cada palavra ou cada toque 
Ou mancha de sangue

Ou um pedaço de meu cabelo ou de minhas roupas. 
E aí, Herr Doktor. 
E aí, Herr Inimigo.

Sou sua obra-prima,
Sou seu tesouro,
O bebê de ouro puro

Que se funde num grito.
Me viro e carbonizo.
Não pense que subestimo sua grande preocupação.

Cinza, cinza —
Você fuça e atiça.
Carne, osso, não há mais nada ali —

Barra de sabão, 
Anel de casamento, 
Obturação de ouro.

Herr Deus, Herr Lúcifer
Cuidado.
Cuidado.

Saída das cinzas
Me levanto com meu cabelo ruivo
E devoro homens como ar.

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