sexta-feira, 11 de março de 2011

Carpinejar

"Figo. Assim que eu vejo o amor. Como um figo. Assim que vejo a mulher. Como um figo. 
O figo não tem o caroço apartado do sumo como a maioria das frutas.
Pode-se engolir a semente sem perceber. 
A semente é também polpa. 
Não existe o medo de mordê-lo e prender os dentes. 
O figo é servido para a língua, para o beijo. 
Figo é para ser lambido, não mastigado.
Com a pressão do céu da boca, ele se desmancha. 
Figo não desperdiça o suco. É úmido, como um pão quente. Ele hidrata sem escorrer.  
Goteja pássaros. 
Ele não apodrece, amadurece. 
Não me lembro de figo que fique sozinho no chão. O sol o transforma imediatamente em terra. Ele somente deita aos lábios, ninguém mais. No solo, cai de pé, pronto a germinar. O figo tem os galhos e as raízes em si. 
É o coração da romã. 
Vidraça para o vento desenhar. 
Como a mulher, não há alas separando os quartos, paredes separando as sombras, gomos separando o gosto.
O figo é inteiro, quase um fogo. A alma é corpo, o corpo é alma, ambos se defendem e se revezam. Suas cores são casadas. Por fora, um verde com azul tal rio manso. Dentro, o vermelho se abre  generoso ao amarelo. 
A casca é um vestido fino, um tecido suave, que deveria ser roçado com o rosto. Não poderia ser
chamada de casca, mas de pele. A casca já é parte interna da fruta. O começo tem a lentidão doce do fim. A pele é saborosa como seu suco. Não se usa facapara desenrolar a casca, e sim a unha. Um  pouco decuidado e ela se despe. 
Figo não é destinado a pressa,aos afoitos. 
É fio de riacho a se recolher da pedracom a concha das mãos. 
É passar da esperança reparando na beleza. 
Figo não é o pecado, é o pecador. 
Fruta para ser apanhada direto da árvore, posta junto da camisa. 
Não mancha, lava o dia. 
Nunca é tarde para o figo. 
Nele, os tempos estão sobrepostos. 
Perfume da manhã quando a manhã ainda é noite. 
Não atende a passatempos e urgências. 
Exige dedicação. 
Quem se aproxima do figo, não volta cedo. 
O figo oferece a intimidade da carne enquanto pólen.
O figo são os pêlos loiros dos telhados. 
Como o amor, é macio. Como a mulher, é sensível. 
Completa o ouvido do ramo com a independência de um brinco. Não se dispersa a exemplo do colar. O figo é o chapéu, não a esmola. 
Tem pescoço de um violino. O caule o mantém aceso entre os dois mundos.
O figo não mente seu desejo, mente sua idade. 
Em nenhum momento, se arrepende de ter sido."

2 comentários:

  1. Gostei da metáfora!
    Você retirou esse texto daquele livro que a Livs estava lendo?
    Beijos ;*

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  2. É, eu comprei o livro. ^.^ muito bom, alquimia com as palavras!

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