Sylvia Plath
Talvez eu nunca tivesse antes sabido acolher bem as críticas à minha escrita, ou melhor, à visceralidade e virilidade emocional da mesma. O Eu, escancarado, inibe as pessoas que, reativas e sem considerarem as ambiguidades e tropeços da língua/poesia, interpretam deliberadamente a escrita e disparam julgamentos como exímios críticos literários formados pelos valores do senso comum.
Percorrendo o livro da Ana Cecília Carvalho e a análise que ela faz sobre "A Poética do Suicídio em Sylvia Plath" (título do livro), encontro a seguinte passagem, que traduz melhor meu pensamento:
" Um dos esforços interpretativos exigidos pelo poema mostra a tentação que ele provoca no leitor, que é levado a atribuir ao texto uma realidade biográfica pré-existente, de que o texto seria a cópia fiel. O outro lado permite pensar que, se tudo o que se tem são segmentos de escrita, do que, afinal, se fala ali? Sem cairmos na sedução do imaginário, será possível distinguir o que se anuncia na enunciação? E que função teria?
Agindo potencialmente para seduzir o leitor, em 'Lady Lazarus' as imagens especulares e teatrais, facilitadoras do processo de identificação, conjugam-se à situação criada pelo texto, em que um eu se exibe como se estivesse em um palco. O aspecto sedutor dessa exibição reside no fato de que o eu se apresenta com uma grandiosidade que o torna capaz de enfrentar a morte e ainda permanecer vivo. Tal encenação efetuada na escrita irradia-se a partir de um centro narcísico e ressoa, em maior ou menor grau, na aspiração à imortalidade presente no coração do leitor.
Na morte buscada como 'uma arte', enfim cintila - paradoxalmente- a imortalidade."
Para terminar, segue o maravilhoso poema Lady Lazarus, Sylvia Plath:
LADY LAZARUS
Tentei outra vez.
Um ano em cada dez
Eu dou um jeito —
Um tipo de milagre ambulante, minha pele
Brilha feito abajur nazista,
Meu pé direito
Peso de papel,
Meu rosto inexpressivo, fino
Linho judeu.
Dispa o pano
Oh, meu inimigo.
Eu te aterrorizo? —
O nariz, as covas dos olhos, a dentadura toda?
O hálito amargo
Desaparece num dia.
Em muito breve a carne
Que a caverna carcomeu vai estar
Em casa, em mim.
E eu uma mulher sempre sorrindo.
Tenho apenas trinta anos.
E como o gato, nove vidas para morrer.
Esta é a Número Três.
Que besteira
Aniquilar-se a cada década.
Um milhão de filamentos.
A multidão, comendo amendoim,
Se aglomera para ver
Desenfaixarem minhas mãos e pés —
O grande striptease.
Senhoras e senhores,
Eis minhas mãos
Meus joelhos.
Posso ser só pele e osso,
No entanto sou a mesma, idêntica mulher.
Tinha dez anos na primeira vez.
Foi acidente.
Na segunda quis
Ir até o fim e nunca mais voltar.
Oscilei, fechada
Como uma concha do mar.
Tiveram que chamar e chamar
E tirar os vermes de mim como pérolas grudentas.
Morrer
É uma arte, como tudo o mais.
Nisso sou excepcional.
Desse jeito faço parecer infernal.
Desse jeito faço parecer real.
Vão dizer que tenho vocação.
E muito fácil fazer isso numa cela.
É muito fácil fazer isso e ficar nela.
É o teatral
Regresso em plena luz do sol
Ao mesmo local, ao mesmo rosto, ao mesmo grito
Aflito e brutal:
"Milagre!"
Que me deixa mal.
Há um preço
Para olhar minhas cicatrizes, há um preço
Para ouvir meu coração —
Ele bate, afinal.
E há um preço, um preço muito alto
Para cada palavra ou cada toque
Ou mancha de sangue
Ou um pedaço de meu cabelo ou de minhas roupas.
E aí, Herr Doktor.
E aí, Herr Inimigo.
Sou sua obra-prima,
Sou seu tesouro,
O bebê de ouro puro
Que se funde num grito.
Me viro e carbonizo.
Não pense que subestimo sua grande preocupação.
Cinza, cinza —
Você fuça e atiça.
Carne, osso, não há mais nada ali —
Barra de sabão,
Anel de casamento,
Obturação de ouro.
Herr Deus, Herr Lúcifer
Cuidado.
Cuidado.
Saída das cinzas
Me levanto com meu cabelo ruivo
E devoro homens como ar.